A reportagem questionou a assessoria de imprensa da Funai sobre cada um dos casos, mas não recebeu resposta. As coordenações regionais são órgãos espalhados pelo país que organizam e administram o trabalho de campo dos agentes indigenistas. Elas respondem diretamente à Presidência, hoje ocupada por Marcelo Xavier. Xavier é acusado por organizações que atuam na área de ter construído uma política anti-indígena na Funai, que desde a posse de Bolsonaro não demarcou novas terras indígenas. Entidades como o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a INA (Indigenistas Associados - Associação de Servidores da Funai) afirmam que o atual chefe da Funai, que é policial federal, persegue servidores e lideranças indígenas ao mesmo tempo que aparelhou o órgão com militares. No último dia 7, por decreto, o governo reestruturou a Funai e excluiu de seu estatuto as diretrizes de atuação das coordenações regionais. Fernanda Melchionna também questionou a fundação sobre a exoneração do indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho passado, e sobre o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, em 2019. A congressista também enviou perguntas acerca da gestão de Xavier. "Quase nenhuma pergunta foi respondida e vamos encaminhar novamente o requerimento, inclusive repassando ao MPF se não houver respostas novamente", afirmou ela à Folha. "O que chama muito a atenção é que a maioria dos nomeados não possui nem qualificação técnica e nem experiência para tratar da pauta indígena", disse a deputada. O fuzileiro da Marinha José Ciro Monteiro Junior é um dos coordenadores regionais sem nenhuma experiência com indígenas em seu currículo -diz, por exemplo, que "participou de várias incursões nas favelas do Rio de Janeiro no combate ao crime organizado" e também atuou no Haiti. Foi nomeado em abril de 2020 para a coordenação do Alto Purus (AC). Entre os que mencionam alguma experiência relacionada a questões indígenas, há alguns que citam atividades pontuais ou que pouco se assemelham à atuação da Funai. Osmar Gomes de Lima é capitão da reserva e afirma que trabalhou "nas áreas indígenas durante processos eleitorais", no município de Tocantínia (TO) -ele é coordenador em Araguaia (TO) desde novembro de 2019. Há também nomes ligados a políticos que foram ou são da base aliada de Bolsonaro. Clotário de Paiva Gadelha Neto, por exemplo, fez carreira na cidade de João Pessoa (PB), onde é coordenador regional da Funai desde 2021. Antes, foi secretário-adjunto na capital paraibana, trabalhou na Assembleia Legislativa do estado e também assessorou o ex-deputado Marcondes Gadelha (PSC), que apoiou Bolsonaro em 2018. O senador Fernando Collor (PTB-AL), por sua vez, apoia o presidente na eleição deste ano. Foi do seu gabinete que saiu Márcio José Neri Donato, atual chefe da unidade Nordeste 1 e que antes já foi vereador em Porto Real do Colégio (AL). Além de militares e ex-assessores, há servidores que fizeram carreira em outras áreas da sociedade civil distantes do indigenismo. Hoje a unidade Ji-Paraná (RO) é chefiada provisoriamente por Roger Moreira, que é servidor da Funai desde fevereiro deste ano. Ele entrou como chefe da divisão técnica e depois foi nomeado substituto da coordenação, já em maio. Em seu currículo ele disse ter "disponibilidade para viagens" e que a área que desejava atuar era "aberta à negociação". Na experiência profissional constam quase dez anos como consultor ou gerente de vendas em concessionárias de automóveis. Desde a última sexta (14), a reportagem procurou cada servidor citado, por meio do contato fornecido nos currículos, mas não houve resposta. O único que respondeu foi Raimundo Pereira dos Santos. Coordenador regional de Kayapó Sul, no Pará, ele é ex-policial rodoviário com curso de sniper (atirador de elite). Formado em comunicação social e com cursos nas áreas de comércio exterior e psicologia, ele atuou na área de inteligência da polícia e diz no currículo que "conduziu o cadastro" de indígenas Baniwa. Procurado pela reportagem, ele explicou que sua atuação se deu em um "projeto de etno desenvolvimento para tirá-los do jugo da narcoguerrilha, bem como o atendimento pré-hospitalar", e disse que também atuou para retirar garimpeiros do rio Traíra (AM). No currículo, também diz ser capaz de "planejar, coordenar e executar ações de inteligência e contra inteligência empresarial" e estar "em condições de sociologicamente mudar opiniões antagônicas e políticas para os objetivos fins".