Com convite pronto, estudante de medicina é impedido de se formar após ser acusado de fraude em cotas
Um estudante de medicina foi impedido de se formar na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), na cidade de Itapetinga, após ser acusado de ter fraudado a identidade para concorrer às cotas reservadas a quilombolas na instituição. Maurício Guilherme Nunes da Silva já estava com os convites da formatura prontos, e com os equipamentos usados na profissão, como jaleco e estetoscópio, comprados, quando precisou frear o sonho de infância de ser médico. “[O sonho surgiu] quando meu avô, que foi meu pai de criação, quando eu tinha 9 anos, teve câncer, e eu vi todo o sofrimento que ele passou na época. E eu, enquanto criança, não podia fazer nada para ajudá-lo, e eu fiquei extremamente sentido naquele tempo, e reforçou esse sonho pela medicina que eu tinha, e eu passei a desejar ainda mais, pensando em ajudar as pessoas para que elas não passem por uma situação como a que ele passou”, contou o jovem. Morador da comunidade quilombola de Itaguaçu, no sudoeste do estado, o jovem teve que provar suas origens, na Justiça, após a acusação, no ano passado.
"Eu nasci na comunidade de Itaguaçu. A minha mãe tinha 16 anos quando eu nasci, e a gente morava lá com meus avós. Então eu nasci e cresci lá dentro da comunidade de Itaguaçu. O meu avô conseguiu um trabalho na cidade, e aí ele ia e retornava todos os dias. Como isso era complicado, ele acabou adquirindo uma residência [na cidade] para ele passar a semana, e então a minha mãe teve a oportunidade de continuar os estudos dela. Eu ainda fiquei morando com minha vó até certa fase da vida, e posteriormente passei a estudar na cidade, em que eu ia e retornava todos os dias, e posteriormente eu passei a ficar lá, quando já estava um pouco maior”, contou o estudante.
Para apresentar na Justiça, o jovem reuniu uma série de documentos comprovando que era da comunidade quilombola. “Eu trouxe algumas pessoas da comunidade, eu fiz um abaixo assinado, com mais de 80 assinaturas, das pessoas de lá confirmando que eu realmente sou de lá, trouxe cartão de vacinas provando que eu recebia e ainda recebo vacinas quando possível, trouxe meu título de eleitor provando que eu tenho título vinculado à comunidade, e que até hoje, inclusive os últimos comprovantes de eleição são provas de que eu retorno para votar. Além de fotos e testemunhas que confirmaram que sou de lá da comunidade”, explicou o jovem.
Em apoio ao estudante, moradores do quilombo gravaram vídeos, afirmando a versão dele. Entre eles, a técnica de enfermagem Neuza Souza, que trabalhou na comunidade durante 40 anos. “Maurício Guilherme nasceu nesta comunidade, em 1982. Os primeiros cuidados dele foram feitos por mim, tanto eu como a mãe, como banho de recém-nascido, curativo umbilical. Recebeu por mim também as primeiras vacinas, conforme consta no arquivo da unidade de saúde daqui de Itaguaçu”, conta a técnica de enfermagem nas imagens. Após recorrer, com as provas, o estudante foi inocentado. No entanto, continua esperando uma autorização pra voltar a estudar na Uesb. “Já se passaram oito meses, e a gente não teve ainda uma resolução do caso. Já obtive a inocentação na Justiça, uma vez que eu não respondo por fraude, eles já confirmaram que eu sou da comunidade. O que estou aguardando no momento é um mandado para retorno, uma vez que eu não cometi crime e mereço voltar para a universidade”, relatou o Maurício. O G1 entrou em contato com a Uesb, que ficou de se posicionar sobre o assunto. A universidade não respondeu até a publicação desta reportagem.
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